Setembro é encerrado com entrevista sobre saúde mental. Você não está sozinho(a)!
- PASCOM
- 30 de set. de 2023
- 12 min de leitura
Atualizado: 1 de out. de 2023
Encerrando o mês dedicado à prevenção e combate ao suicídio, contamos com o olhar do psicólogo Jorge Santana, dessa vez para falar sobre saúde mental e as suas implicações sob a forma de entrevista.

Blog do Ressuscitado (BR) - Jorge, qual a importância de cuidarmos da saúde mental?
Jorge Santana (JS) - Bem, quando nós vamos olhar a definição de saúde mental que é proposta pela OMS, vamos verificar que ela está referida e baseada na ideia de termos a capacidade de lidar com demandas da vida cotidiana, então, podemos citar relacionamentos interpessoais, estudo, trabalho, de uma forma saudável ou bem adaptativa. É a gente conseguir fazer isso de uma forma natural.
Vai ter dificuldade, necessidade de dedicação, de empenho, mas que não tenha nenhum outro fator que torne uma situação cotidiana como essa, algo passível de sofrimento ou de uma dificuldade para que se consiga realizar.
Pessoas que estão acometidas ou que começam a apresentar traços de um determinado transtorno mental tendem a sofrer com atividades cotidianas, como levantar da cama, pegar um transporte público... Algumas pessoas não conseguem entrar no mar, realizar uma atividade de estudo, sentar e estudar por um determinado período. São diversos acometimentos que podem gerar transtornos para a vida daquela pessoa.
E o cuidado com a saúde mental vem para que essa pessoa possa mitigar esse sofrimento, aprender a lidar de forma mais adaptativa com essas demandas que estão causando ali alguma questão para essa pessoa e que, dessa forma, com tais aspectos equilibrados - porque sanados seria uma palavra muito forte -, mas ali, bem gerenciados, essa pessoa possa realizar atividades da vida cotidiana em sociedade de uma forma, entre aspas, natural.

(BR) - Como a religiosidade pode contribuir com a manutenção da saúde mental?
(JS) - A religiosidade tem um papel de contribuir para esse cuidado com a saúde mental e um dos pontos fundamentais para isso vai ser a forma como pessoas que tem esse envolvimento religioso costumam ter maiores escores voltados para a resiliência.
Então, essa capacidade de resistir, de acreditar, ela acaba sendo maior, o que leva a um maior direcionamento em prol da vida e uma maior dificuldade para se deixar abalar, para se deixar vulnerabilizar.
Só que a religiosidade não vai ser tudo, a religiosidade complementa outros cuidados:
a atividade física é um cuidado diário, a psicoterapia é um cuidado, principalmente
para quem tá com transtorno. Por vezes a psiquiatria pode ser necessário também.
Amigos, familiares, um ambiente de trabalho bom... Tudo isso é só um conjunto e a religião vai fortalecer todo esse processo, nessa jornada, nessa caminhada da saúde mental e, principalmente, pensando a prevenção do suicídio, que é o foco do setembro amarelo.
(BR) - O que podemos fazer para combater os excessos do dia-a-dia?
(JS) - É um fato, que nós recebemos cada dia mais uma enxurrada de informações.
Nós pegamos o celular e chove a informação, estamos no trânsito e tem uma série de outdoors com informações distintas, (agora tem até aqueles interativos), também no computador tem informações, no trabalho, na universidade, na televisão,
quando a gente liga, é um bombardeamento.
E além da questão da quantidade excessiva de informações, a gente também tem uma
necessidade cada vez maior de conhecimentos distintos.
Se antes uma pessoa ser sapateiro por si só bastava, hoje, além de ser sapateiro
que cada vez mais tem novos conhecimentos sobre processos de como produzir,
de como consertar um sapato, é necessário que essa pessoa tenha um mínimo conhecimento de marketing, de marketing digital, de gestão de pessoas, de gestão de negócios, um panorama administrativo, e cada uma dessas áreas tem uma imensidão de conteúdos e componentes.
Algumas pessoas também têm dificuldade de gerenciar esse processo pela busca de aprendizado, o que gera uma sobrecarga e aí pode acarretar estresse, ansiedade, pode gerar também uma carga horária excessiva de trabalho e de estudo para fazer dar certo seus negócios. E aí, muito afetado também por essa lógica, que é o modelo no qual nós estamos a serviço, de alguma forma, porque é um condicionamento para isso, sofremos consequências que podem gerar até uma *Síndrome de Burnout, se nós pensarmos de uma forma mais ampla esse contexto.
E aí vão existir formas da gente gerenciar isso, mas se uma pessoa tá com esse sofrimento, o mais indicado realmente é a psicoterapia, porque eu posso citar aqui pontos gerais, aspectos mais amplos, dicas, que seria do que fazer, mas cada pessoa tem o seu próprio processo, suas próprias dificuldades e barreiras.
Vejam, você tem um exemplo com uma série de questões e cada pessoa vai ter as suas,
mas um passo muito importante dessa construção, e que é uma dificuldade que eu percebo em diversos pacientes que chegam na minha clínica e amigos também, em diálogo na sociedade, é a dificuldade de dizer não e aí vai abraçando uma coisa atrás da outra justamente por ter essa barreira de conseguir dizer não para outras pessoas.
Pelo medo de desagradar ou até mesmo porque acredita que dizendo não vai perder aquela oportunidade.
Mas perceba, dizer não é importante para que você possa se dedicar também a algumas
oportunidades nas quais você já está inserido e precisa se dedicar.
Precisamos selecionar melhor o que nós estamos consumindo e o que nós estamos escolhendo para a gente. Se eu já trabalho, estudo e participo de uma atividade da Igreja, por exemplo, será que eu tenho condições, nesse momento, de adicionar a outras atividades de uma forma saudável, que eu aproveite aquelas atividades, que eu viva realmente aquelas atividades, que eu consiga consumir o que está sendo proposto ali?
Então, assim, é uma forma de trabalhar esse tipo de excesso, que é o excesso de informação e dessa demanda por conhecimento que o nosso biológico não evoluiu a ponto de acompanhar as evoluções tecnológicas.
Mas aí nós podemos falar sobre excessos voltados pra alimentação, e esse é um universo à parte, que dá pra explorar de forma muito ampla, assim como muitas outras áreas.
Então, assim, são muitos excessos e cada caso vai ser um caso pra gente pensar de forma específica.

(BR) - Qual o nosso papel, como cristão, no apoio a outras pessoas?
(JS) - Segundo dados da OMS, 700 mil pessoas cometem suicídio por ano e qual é o nosso papel também enquanto cristãos no apoio a outras pessoas? Evitar frases que podem ser vagas, como "é falta de Deus". Não é sobre isso, não é só isso. E quando isso é dito, faz com que a pessoa se sinta ainda mais vulnerável, ainda mais incapaz.
"Poxa, já estou triste e não tenho nem Deus, estou em falta de Deus, é culpa minha estar
nessa situação", a pessoa pode pensar, e isso a vulnerabiliza mais.
Então, é necessário trazer essa consciência, de que Deus vai ser importante e vai ajudar, mas que uma frase dessa não agrega nada. A gente tem que refletir o nosso papel, o que faz entender que uma pessoa no estado depressivo não vai ter essa disposição
de estar saindo pra ir pra igreja, necessariamente.
Pode ser um momento onde você ir fazer uma visita, dar uma palavra, mostrar que está
ali, disponível pra ajudar aquela pessoa, pra que quando ela tiver um pequeno desejo de fazer algo, perceba que você está ali para ir com ela, para acompanhar ela. Pode ser um passo muito importante. Quando a gente pensa em religião, pensa no papel de quem está inserido na religião para atuar junto a essas pessoas.
(BR) - Qual a importância da atividade física para a saúde mental?
(JS) - Esse é um tema que eu gosto muito, que é grande parte da dedicação dos meus
estudos e que a gente pode observar que existe, sim, uma necessidade dessa prática de atividade física para o cuidado com a saúde mental pelos efeitos
que ele proporciona. E aí existem efeitos que passam pelo campo da
percepção, então, olha, eu consegui levantar e fazer uma atividade física hoje, eu consegui
diminuir o meu tempo na caminhada e fazer uma quilometragem maior, eu consegui caminhar um quilômetro a mais, eu consegui aumentar uma carga naquele exercício, olha, eu consegui adicionar mais um exercício na minha rotina, eu subi de faixa no esporte, então assim, tem esse efeito da percepção que aumenta a autoestima, aumenta a auto percepção de valor.
Tem esses efeitos que são do que se percebe, a partir daquela prática.
E existem também os efeitos que são realmente fisiológicos e que vão passar pelo nosso
corpo. Por exemplo, se a gente pensar de uma perspectiva da neuropsicologia, a prática de atividade vai gerar uma cascata metabólica de algumas monoaminas no sistema nervoso central, que vai levar à liberação de neurotransmissores, como adrenalina, noradrenalina, endorfina, que vão estar atrelados à sensação de bem-estar, de prazer, de redução da dor. Então, tudo isso tem também uma estimulação que vai auxiliar no processo.
Mas, atividade física vai fazer bem pra todo mundo? Sempre tem casos específicos
e que vão fugir um pouco da curva. Por exemplo, pacientes que estejam num quadro muito grave de depressão, a atividade física de início não é o indicado.
O indicado é que sejam feitas outras ações de ativação comportamental que vão ser guiadas pelo psicoterapeuta para que, no melhorar desse processo, a atividade física venha e agregue, faça parte dessa evolução clínica desse paciente e desse processo também que vai auxiliar a mitigar o sofrimento psicológico através de todos esses benefícios.
Vai ter também os benefícios dos relacionamentos interpessoais. Então, assim, são múltiplos os ganhos da prática da atividade física e é importante alentar que ela não substitui o cuidado da psicoterapia ou, se for necessário, do acompanhamento psiquiátrico. Ela complementa.
E aí eu trago um dado bem interessante do estudo que eu fiz orientado pelo professor Dr. Minho Rios, em parceria com o colega Ângelo Valentim e a professora Camilla Bonfim,
que foi voltado para estudantes universitários do estado da Bahia. A gente buscou compreender a relação entre a prática de atividade física e os indicativos de sintomas para ansiedade e depressão.
E foi sim, observado, apesar de não podermos afirmar uma causalidade, que percebemos haver ali uma relação proporcional entre estudantes que praticam atividade física possuírem menores índices sintomáticos para a ansiedade e para a depressão.
Apesar de que, de forma geral, foi um dado muito preocupante dessa pesquisa,
os estudantes apresentavam índices muito altos de sintomas de ansiedade e depressão
quando nós olhávamos o panorama geral, independente de considerar ou não
a prática de atividade física, o que mostra que o processo da universidadetende sim a vulnerabilizar as pessoas que estão naquele contexto, naquele ambiente.
Isso já soa um sinal de alerta para que se busque práticas que mitiguem esse sintoma, sofrimentos. O cuidado com a saúde mental através da psicoterapia é um deles, a prática de atividade física, outro, e estudos têm apontado também o vínculo com uma religião como um desses pontos porque trabalha a questão da resiliência, principalmente, e a resiliência ajuda a superar momentos de dificuldade, traz uma perspectiva positiva para alguns cenários.

(BR) - Por que ainda temos preconceito quando falamos sobre saúde me Ointal?
(JS) - Bem, não existia o hábito de se procurar por um psicólogo, ou um profissional da psicoterapia, por ser uma ciência muito recente.
E as pessoas que acabavam recebendo acompanhamento e tratamento de forma mais ampla por esses profissionais eram pessoas sujeitas a cometidos por transtornos mais graves. Então, nós conhecemos, popularmente, as pessoas que estavam sendo acometidas por um transtorno esquizofrênico, por um transtorno de personalidade antissocial, que é popularmente chamado de psicopatas, e por aí vai.
Assim, as pessoas se distanciavam. Não, eu não vou pra psicólogo porque eu não tenho nenhuma questão dessa natureza, eu não sou maluco e por aí vai.
Então ficava nesse discurso vago e preocupante do senso comum, mas que era também o que as pessoas tinham acesso. E aí o nosso papel agora é desmistificar isso e mostrar que todas as pessoas precisam e podem se utilizar da psicoterapia como um recurso pra sua vida, pra lidar com questões das mais variadas.
Tem pessoas que vão precisar de um acompanhamento por apresentar demandas relacionadas à esquizofrenia, mas tem pessoas que vão precisar por ter dificuldade com questões que estão voltadas para a ansiedade.
Então, assim, eu não consigo falar em público. E aí tem um nome específico para esse transtorno que é chamado de agorafobia. Tem pessoas que vão ter dificuldade de, como eu já citei em um outro momento, de entrar no mar. Então como é que a gente trabalha essa questão? Tem pessoas que têm dificuldade em certo grau de acometimento de levantar da cama, de tomar banho. E tem pessoas que têm questões mais gerais da vida, que não estão trazendo nenhum dano em específico pro funcionamento da vida em sociedade, mas que lhe angustia, que lhe causa algum tipo de dor, que lhe causa algum tipo de sofrimento, que fica ali íntimo, guardado, e aquilo a pessoa vê como um peso na vida dela por mais que não esteja atrapalhando ela de realizar nenhuma atividade da vida cotidiana e ela também pode buscar pela psicoterapia para lidar com isso.
Nós podemos ver também pessoas que atuam, por exemplo, como padres, e que recebem uma bagagem muito grande de demanda. É um trabalho que exige muita entrega, muita
dedicação, é uma doação plena para o exercício da função dessa vida em comunhão com Cristo e que também vai demandar muito dele, a partir do que outras pessoas trazem, de dúvidas, de questionamentos, de dores, de marcas, e essa pessoa também precisa ter esse suporte para a sua saúde mental, esse cuidado com a sua saúde mental, esse olhar, esse poder de estar no espaço e falar das suas questões, porque não dá para a gente tirar a humanidade de figuras como um padre, um bispo, um médico, um jornalista, um psicólogo, que tem também as suas dores, as suas marcas, os seus desafios, as suas questões e que podem cuidar dentro desse espaço de terapia.
Então, o preconceito vem muito dessa bagagem histórica e desse senso comum sobre o que é o cuidado com a saúde mental, mas nós vamos construindo esse processo de desmistificar e de criar um ambiente mais sociável para que as pessoas tenham uma perspectiva mais real do que é o cuidado com a saúde mental. E entra também no âmbito da psiquiatria de, às vezes, entender que ir em uma consulta psiquiátrica, fazer uso de algum tipo de medicamento, é uma forma de tratamento que não reduz a pessoa em nada, da mesma forma que não reduz alguém que precisa utilizar um medicamento para um problema cardíaco. Pode ser necessário utilizar um medicamento para uma questão de ordem psicológica, que pode ser ansiedade, depressão, e por aí vai.
É necessário compreender que esses tratamentos não invalidam a pessoa em nada, só a coloca como uma pessoa que tem uma demanda, tem uma psicopatologia e está exercendo um cuidado com ela.
(BR) - Que mensagem de esperança e autocuidado você pode deixar para quem está passando por sofrimentos psicológicos?
(JS) - Para você, que está passando por um momento de sofrimento psicológico, de dificuldade, que não tem conseguido realizar as atividades como gostaria, que não tem conseguido se sentir bem como gostaria ou como já se sentiu em outro momento da vida,
eu gostaria de te dizer que não é o fim. Que as coisas não estão perdidas. Que não é impossível sair dessa situação, por mais que pareça.
Eu não sei as questões que te levaram até aí, mas uma das formas mais expressivas de
se mostrar e de ser forte é buscar por ajuda. E, nesse momento, toda ajuda vai ser bem-vinda. Ajuda de Deus, ajuda de amigos, ajuda de familiares, e ajuda dos profissionais que estudam e dedicam sua vida aos conhecimentos para poder cuidar da sua saúde mental: psicólogos, psiquiatras, caso seja necessário.
Então é muito importante que você busque esses cuidados. Gostaria de dizer também que, ao longo dessa jornada, você vai ouvir coisas negativas de algumas pessoas, vai provavelmente ouvir dizer que é bobagem, é desnecessário, ou que você não precisa desse tipo de cuidado, ou pode ouvir por algumas pessoas que é falta de Deus, mas não é. Não é falta de Deus. Se você puder se aproximar dEle, sentir que está distante, isso é importante. Mas Deus está sempre com a gente, então não é essa questão, não se sinta nesse lugar.
Não ache que é bobagem, não ache que é só levantar da cama, porque às vezes realmente não é e a gente precisa de um cuidado integral, de um suporte mais amplo pra sair deste lugar, mas sim, existe forma de sair daí, sim é possível sair disso, conseguir melhorar, mas também é um processo gradual, tá?
É um processo que é construído, é uma construção para alcançar uma melhora.
Mas, o que eu te digo é que vale a pena, e que quando você consegue sair, você sai mais forte, você sai com uma visão mais ampla sobre a vida, com uma perspectiva mais corajosa sobre tudo isso.
Por mais difícil que esteja sendo, quero te lembrar que você não tá só, e que você pode sim, e deve, pedir ajuda.
Devo também deixar aqui a indicação sobre o CVV, que é o Centro de Valorização da Vida.
Existe rede de atendimento por mensagem, por ligação, por chat, que você pode estar entrando em contato em um momento que você se sentir em crise e que acreditar que tá só, que tá sozinho. Eles têm toda uma rede de apoio treinada e qualificada pra te acolher, pra te ouvir. Existem também plantões psicológicos nas universidades, em horário comercial, por exemplo, como na Uneb, que disponibiliza esse serviço.
Com um pouco de busca, pedindo ajuda a alguém também pra pesquisar junto com você, é possível encontrar, tá? Não deixe de se cuidar, não deixe de acreditar em si e não ache nunca que você não tem Deus do seu lado. Se aproxime delE, mas lembre-se sempre que nunca vai ser falta delE, porque Ele sempre vai estar com você.
Notas:
1. Jorge Santana disponibilizou perfil para informações no Instagram jorgessantana.pc
2. A Paróquia de Ondina presta atendimento psicológico, em caráter voluntário, com acesso controlado pela demanda de pacientes.
Síndrome de Burnout: Segundo o Ministério da Saúde, trata-se de uma Síndrome do Esgotamento Profissional é um disturbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. A principal causa da doença é justamente o excesso de trabalho. Esta síndrome é comum em profissionais que atuam diariamente sob pressão e com responsabilidades constantes, como médicos, enfermeiros, professores, policiais, jornalistas, dentre outros.
Silvana Lima (PASCOM)
Kommentare